Qualidade e competitividade dos produtos lácteos

Qualidade e competitividade dos produtos lácteos

Problemas, soluções e competitividade na indústria do leite marcam o início do 13º Simpósio Brasil Sul de Bovinocultura de Leite

O primeiro dia do 13º Simpósio Brasil Sul de Bovinocultura de Leite foi marcado por questionamentos, provocações e busca de soluções na área. O evento promovido pelo Núcleo Oeste de Médicos Veterinários e Zootecnistas (Nucleovet), que segue até quinta-feira (7), trouxe o doutor em Epidemiologia da Mastite Bovina e Qualidade do Leite, José Pantoja, para apontar e debater os desafios enfrentados pelos produtores, profissionais e pela agroindústria, durante sua palestra “CCS no Brasil: por que é tão difícil reduzir?”.

                        A fala do especialista integrou o Painel Indústria do 13º SBSBL, e expôs como a contagem de células somáticas (CCS) – uma célula de defesa do sistema imune – interfere diretamente na qualidade do leite. “A pergunta é muito complexa e foi interessante fazer essa reflexão, que acaba sendo prática e filosófica. Sabemos lidar com esse problema? Para reduzir a CCS, é preciso controlar a mastite no rebanho. E o produtor precisa estar motivado”, afirmou Pantoja.

                        Os mais recentes indicadores nacionais de contagem de CCS, divulgados pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) em fevereiro de 2024, apontaram que a média geométrica nacional é de 531 mil cels/ml – a maior média registrada pela Rede Brasileira da Qualidade do Leite (RBQL) desde 2013. Essa estatística acendeu um alerta na cadeia produtiva, pois a variável é considerada um fator determinante da qualidade do leite cru e do desempenho animal.

                        “Em leite com alta CCS, é possível perceber a alteração de sabor, seu tempo na prateleira também é reduzido e seu aumento é um indicador de prevalência de mastite no rebanho. Então ela é um indício muito útil para a qualidade do leite. É também um apontador de segurança alimentar e boas práticas de manejo de animais. E a indústria quer comprar o leite como uma matéria-prima de qualidade”, apontou Pantoja.

                        E é possível reduzir a CCS? Conforme demonstrou o doutor em Epidemiologia da Mastite Bovina e Qualidade do Leite, esta é uma pergunta complexa de ser respondida e resulta em um problema multifatorial, que envolve questões socioeconômicas, culturais e até geográficas. Pantoja trouxe dados de outros países, para fazer comparativos com o mercado brasileiro. “Existe também uma variação sazonal, onde há aumento nos meses de verão, provavelmente devido ao estresse térmico do rebanho e a mudança ambiental. Não há um cálculo universal, precisamos de cálculos específicos para cada rebanho, e as perdas são consideráveis, pois a vaca pode chegar a perder cerca de 10% da sua produção diária de leite. E mesmo assim, estudos mostram que cerca de 70% dos produtores ignoram as suas perdas por mastite”, alertou.

                        Em sua apresentação, Pantoja salientou como a mastite é a doença de maior custo em rebanhos leiteiros, na qual os componentes mais importantes do custo são invisíveis, resultando em perdas na produção de leite. “Boa parte da motivação para reduzir a contagem de células somáticas é entender o problema. Esse conhecimento precisa ser disseminado de forma intensa, tanto para os produtores quanto para os pesquisadores. É uma reflexão para toda a cadeia leiteira, principalmente a indústria, os órgãos governamentais e os produtores”, provocou o palestrante. “Assistência técnica, capacitação, programas de incentivo e conscientização devem ser estimulados constantemente. E os consumidores devem também exigir a qualidade dos produtos lácteos”, acrescentou.

                        TENDÊNCIAS E COMPETITIVIDADE NA CADEIA DO QUEIJO

                        O engenheiro de produção, técnico em Laticínios e membro global do grupo de Tendências Tecnológicas de Queijos de Pasta Filata e Continentais, Michael Mitsuo Saito, palestrou na segunda parte do Painel Indústria, com o tema “Competitividade do queijo na indústria”. Especialista em competitividade no segmento de queijos, Saito iniciou sua apresentação com um questionamento muito válido: por que somos uma potência no agro, mas não conseguimos exportar o queijo brasileiro?

                        Estima-se que de 2022 a 2027, haverá um crescimento global de 1,2% a cada ano no consumo de queijo, representando um volume de aproximadamente 2 milhões de toneladas do produto. “Isso é mais ou menos o que o Brasil produz de queijo hoje, atendendo seu mercado interno. Com a globalização e mais mercados se abrindo para costumes ocidentais, o mundo está demandando mais queijo”, expôs Saito, salientando a mussarela como a principal variedade produzida atualmente. “E a explicação que temos é através de uma estatística simples: 93% dos norte-americanos consomem, pelo menos, uma pizza ao mês. Apenas nisso, estamos falando de 2.500 toneladas de mussarela por dia, somente para produzir pizza”.

                        O palestrante provocou novamente persistindo no questionamento: o que falta para a indústria do leite ter o seu ponto de virada, como foi para a indústria da carne, que nos tornou uma potência mundial? “A caseína é a parte mais importante nesta transformação do leite para o rendimento do queijo, sendo cerca de 77% da composição da matéria-prima. Existe uma relação direta entre a quantidade de caseína e o rendimento da produção de queijo. Temos uma margem apertada entre o custo de produção e o valor de mercado. Acabamos não tendo uma produção competitiva, em comparação à Argentina, por exemplo, e a quantidade de caseína tem influência nisso”, salientou.

                        Saito lembrou a palestra de Pantoja, falando da forte relação entre a quantidade de CCS no leite e o rendimento do queijo que se produz. “Desta forma, quando a indústria paga o leite pela proteína total, temos um erro muito grande. De todas as proteínas totais do leite, a maioria é caseína, mas quando o nível de CCS aumenta, a quantidade de caseína baixa. E quando há esse aumento de CCS, há redução na produtividade. Então é um ciclo vicioso”.

                        Saito provocou também para a utilidade do soro, resultado da produção do queijo, que tem agregado uma relevância expressiva no mercado nas últimas décadas, especialmente por possuir nutrientes de alto valor biológico, podendo gerar diversos componentes em frações proteicas. “Estamos inseridos em uma cadeia na qual se não conseguirmos integrar produtores, indústria e varejistas, não conseguiremos fazer uma transformação no Brasil. Eu vejo com bons olhos essa transformação e estamos justamente nesse momento de transição. Passamos esse momento na carne e em várias outras commodities, e agora chegou a vez do leite. Então promover eventos como esse, SBSBL, é essencial e só ajuda a enxergar um pouco mais no que precisamos investir e para onde precisamos ir para fazer a nossa indústria mais forte”, finalizou.

                        A PROGRAMAÇÃO CONTINUA

                        O 13º Simpósio Brasil Sul de Bovinocultura de Leite iniciou nesta terça-feira (5) e segue até quinta-feira (7), no Centro de Cultura e Eventos Plínio Arlindo de Nes, em Chapecó (SC), e engloba também a 8ª Brasil Sul Milk Fair. O presidente da comissão científica do SBSBL, Claiton André Zotti, agradeceu a presença de todos os participantes do evento, destacando a qualidade e diversidade dos palestrantes. “Dentre os diferenciais, buscamos trazer os elos da cadeia produtiva do leite, que exigem profissionais que se complementam, por isso trabalhamos em equipe. São pessoas que estão diariamente trabalhando cara a cara com o produtor, que vão refletir na sua rentabilidade direta. São eles que estão presentes na indústria, melhorando processos. E, sem dúvidas, buscamos inspiração em como comunicar melhor com nosso consumidor”, disse.

                        O 13º SBSBL é promovido pelo Núcleo Oeste de Médicos Veterinários e Zootecnistas (Nucleovet), com apoio da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Santa Catarina (CRMV-SC), da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), da Prefeitura de Chapecó e da Sociedade Catarinense de Medicina Veterinária (Somevesc).

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