Doce de Leite: da tradição à inovação

Doce de Leite: da tradição à inovação

O Brasil é o país com o maior parque tecnológico de doce de leite do mundo e, muito provavelmente, o maior produtor. O grande problema é que somos bons em fazer o doce, mas ruins na coleta de dados

Eita docinho bom! Leite e açúcar, combinados e muito bem misturados, dão origem a uma das paixões nacionais: o doce de leite. Apesar da aparente simplicidade em fazê-lo, os segredos que rodeiam o doce e como ele tem atendido as demandas do consumidor final e das indústrias que o têm como ingrediente são pra lá de complexos. Quem nos explica tudo sobre o doce de leite e os desafios que estão atrelados a ele é Rodrigo Stephani, professor e pesquisador do Departamento de Química da Universidade Federal de Juiz de Fora e membro do grupo Inovaleite.

De acordo com Stephani, a falta de padronização é o maior desafio enfrentado pela indústria de laticínios nos dias de hoje. “O problema não está em fazer um doce de leite gostoso, mas em repetir este doce várias vezes, mantendo a constância nessa produção.” O professor destaca que o leite, um dos principais ingredientes, apresenta variações naturais no teor de gordura e proteína, o que dificulta este processo. “Se a indústria não tiver o cuidado ou a especialidade para padronizar este leite ao longo de todo o ano, o doce por consequência vai ter muita variação, desde cor, consistência, textura e até variação da parte aromática, além de problemas de cristalização”.

Em linhas gerais, o produto é muito básico em relação aos ingredientes. Logo, a diferença está nos modos de produção de cada fábrica, que proporciona doces  totalmente diferenciados em relação à textura, cor e principalmente na parte aromática.

O ponto alto da inovação está relacionado aos diferentes sabores e aromas do doce. “Temos os doces de leite variados, que são sempre muito interessantes, e vão desde os sabores tradicionais, com adição de frutas e chocolate, até combinações com produtos naturais da Amazônia. Isso traz uma originalidade para os nossos produtos. Nos próximos anos, acredito que veremos mais produtos bem nacionais, combinados com o doce de leite, que darão uma identidade cada vez mais brasileira ao doce”, conta Stephani.

Demanda do consumidor

Sobre as características que os consumidores buscam no doce de leite atualmente, Rodrigo aponta para uma tendência de consumir produtos com menos culpa. ” O doce de leite tem adição de açúcar, logo as pessoas tendem a buscar produtos com uma redução,” diz ele. No Brasil, os doces de leite têm uma característica própria de elevada concentração de sólidos lácteos, diferente de outros países. “Não é comum no Brasil usar glicose ou aromas como baunilha, como em outros lugares do mundo.”

Porém, o pesquisador enaltece que o desejo por menos açúcar traz desafios tecnológicos e regulatórios. “Quando se reduz o açúcar e valoriza-se mais os sólidos lácteos, o produto fica mais complicado de ser fabricado, com mais problemas de textura e despadronização. Além disso, observa-se que a redução do açúcar influencia nos atributos físico químicos do doce de leite, inclusive em alguns momentos a redução inviabiliza a produção, não por aspectos tecnológicos, mas por aspecto legal. Nossa regulamentação é de 1997, é Mercosul, e tem alguns atributos físico químicos, e quando você pensa nos dias de hoje, quase 30 anos depois, está desconectado com a necessidade do consumidor”.

Recheio de doce de leite

O doce de leite é um dos recheios mais comuns no Brasil, há produtos de panificação, por exemplo, à base de doce de leite. Quando se fala do doce, usado pelas indústrias de alimentos, estamos falando de processos de fabricação bem diferentes do usual, há inclusive métodos patenteados, mas que fogem da lógica de ter produção do doce para consumo final. “A gente sempre tem que tomar cuidado quando fala em doce de leite, porque nem sempre a nossa avaliação de um produto que pode ser consumido diretamente é a mais importante, porque se o produto for indicado para uso industrial, as características sensoriais são pensadas para quando ele estiver aplicado naquele bolo, naquele pão, naquela torta, então esses produtos para consumo direto, eles nem sempre são tão agradáveis. É importante sempre lembrar que existem estes mercados, o consumidor direto, mas existe o mercado B2B, que é muito significativo”, exemplifica Rodrigo.

Sobre a regulamentação, Stephani critica a falta de atualização. “Infelizmente, nossa regulamentação não está conseguindo acompanhar o desenvolvimento das indústrias em relação à demanda pelo doce de leite. Além do doce, temos por exemplo o Fondant de leite ou doce sabor doce de leite. “Precisamos enquadrar a regulamentação para que sejam ditadas regras claras para esses produtos, garantindo uma competição justa entre eles”.

O futuro do doce de leite brasileiro

O Brasil, com seu vasto número de fabricantes e tecnologias, tem potencial para ser o maior produtor de doce de leite do mundo. “Temos mais de 350 fabricantes de doce de leite no Brasil, um número maior do que no Uruguai e na Argentina. Contudo, a falta de dados precisos ainda é um desafio. Podemos até ter os maiores produtores, e ainda não sabemos disso”, conclui.

Foto- Rodrigo Stephani, professor e pesquisador do Departamento de Química da Universidade Federal de Juiz de Fora e membro do grupo Inovaleite.

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