A questão das mudanças climáticas entrou definitivamente para o dia a dia do mundo. Estamos nos deparando com temporais que trazem espantosa destruição, grandes blocos de geleiras derretendo, incêndios assustadores, resultados das mudanças climáticas. Não dá para deixar para amanhã soluções para redução de carbono, degradação de rios e oceanos, além de outros fatores que impactam o meio ambiente. O setor de embalagem está entre aqueles que assumiu a sua parte para vencer um grande desafio – minimizar o impacto das embalagens na natureza
Em entrevista para a Revista + Leite, Assunta Napolitano Camilo, diretora do Instituto de Embalagens, fala sobre as ações e desenvolvimentos do setor de embalagens para atender às novas demandas do meio ambiente. Confira a seguir.
Revista + Leite – A sustentabilidade sempre foi fundamental, porém de algum tempo para cá, a visibilidade dos fenômenos das mudanças climáticas tem evidenciado a necessidade de ações para desacelerar os efeitos danosos ao meio ambiente. Em sua observação, desde quando as empresas de embalagens passaram a se engajar mais intensamente nessa causa mais fortemente?
Assunta Napolitano Camilo – A preocupação com a sustentabilidade na indústria brasileira de embalagens começou a ganhar mais destaque nas últimas décadas, especialmente a partir dos anos 2000. Diversas empresas perceberam a importância de adotar soluções para reduzir o impacto ambiental das embalagens e de suas operações. Isso inclui a busca por materiais mais amigos do meio ambiente, processos de produção mais eficientes e a implementação de programas de reciclagem.
Nos últimos anos, o aumento da conscientização ambiental por parte dos consumidores e a pressão por regulamentações mais rigorosas têm contribuído para impulsionar as iniciativas de sustentabilidade na indústria de embalagens. Muitas empresas têm investido em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias e materiais para criar embalagens mais amigáveis ao meio ambiente.
No entanto, é importante ressaltar que esta transição é um processo gradual e contínuo. As empresas continuam a enfrentar desafios e buscam constantemente inovações que possam equilibrar a necessidade de embalagens eficientes com a redução do impacto ambiental.
Revista + Leite – Quais segmentos das empresas do setor de embalagens têm apresentado soluções mais inovadoras para reciclagem?
Assunta Napolitano Camilo – Vários segmentos da indústria de embalagens têm apresentado soluções inovadoras de reciclagem nos últimos anos, impulsionados pela crescente conscientização ambiental e pela necessidade de reduzir o impacto ambiental. No segmento de embalagens plásticas, as empresas têm desenvolvido embalagens monomateriais e tecnologias de reciclagem avançadas para reciclar diferentes tipos de plástico.
As embalagens de papel e papel cartão são consideradas mais ecológicas em comparação com plásticos. No entanto, inovações incluem o desenvolvimento de revestimentos biodegradáveis, que facilitam a reciclagem.
A tecnologia de embalagens inteligentes tem sido utilizada para melhorar a eficiência da reciclagem. Etiquetas inteligentes podem fornecer informações sobre a origem dos materiais, facilitando a triagem e a reciclagem adequada.
Algumas empresas estão investindo em modelos de negócios baseados em embalagens reutilizáveis. Isso inclui sistemas de depósito e retorno, nos quais os consumidores devolvem as embalagens vazias para serem higienizadas e reutilizadas.
Essas inovações visam melhorar a reciclabilidade e reduzir o consumo de recursos, minimizar resíduos e promover sustentabilidade em toda a cadeia de produção e consumo de embalagens.
Revista + Leite – No seu entendimento, quais desses segmentos têm maior dificuldade em desenvolver soluções mais eficientes no atributo sustentabilidade?
AssuntaNapolitanoCamilo – A indústria de embalagens plásticas enfrenta grande desafio no campo da reciclagem que está relacionado à complexidade e diversidade dos próprios plásticos. Existem vários tipos de plásticos com propriedades distintas e nem todos são facilmente recicláveis. A diversidade de resinas plásticas, como PET, PEAD, PEBD, PP, entre outras, requer processos de reciclagem específicos para cada tipo. Indústrias petroquímicas têm anunciado plantas de reciclagem avançada que devem facilitar a reciclagem de plásticos e promover a economia circular.
Em muitas regiões, a infraestrutura para a coleta seletiva e o processamento adequado de plásticos ainda é limitada. Isso torna difícil para os consumidores descartarem plásticos de maneira adequada e para as empresas de reciclagem separar e processar os diferentes tipos de plásticos de maneira eficiente.
Além disso, a falta de conscientização por parte dos consumidores sobre a importância da separação correta dos resíduos e o impacto positivo da reciclagem também representa um desafio. A educação ambiental é fundamental para melhorar a participação na reciclagem e a embalagem é uma poderosa ferramenta para promover a conscientização.
Revista + Leite – Cite algumas soluções em embalagens que são exemplos de desenvolvimentos mais inovadores e com ganho substancial em evitar prejuízo ambiental?
Assunta NapolitanoCamilo – Existem vários exemplos de embalagens que buscam minimizar o impacto ambiental. Essas inovações incluem o uso de materiais recicláveis, biodegradáveis, materiais com conteúdo reciclado, embalagens retornáveis e designs que incentivam a reutilização. Embalagens de papel com revestimentos biodegradáveis estão se tornando mais comuns. Isso ajuda a melhorar a resistência à umidade, à gordura, e outras propriedades enquanto mantém a biodegradabilidade.
Revista + Leite – Nos últimos anos têm surgido materiais de origem natural, como fibras vegetais para embalagens. Acredita que esse seja uma tendência para o futuro? Qual o lado positivo e qual o negativo desse tipo de matéria-prima?
Assunta Napolitano Camilo – As embalagens de papel e outros materiais de origem vegetal estão se tornando uma tendência crescente na indústria, impulsionadas pelo aumento da demanda de sustentabilidade e pela conscientização ambiental. O papel é um material renovável e biodegradável. O uso de papel proveniente de fontes certificadas de manejo florestal sustentável ou de materiais reciclados ajuda a reduzir o impacto ambiental das embalagens.
A tecnologia também tem desempenhado um papel importante no desenvolvimento de embalagens de papel mais resistentes e funcionais, permitindo que atendam aos requisitos de diversos produtos.
Revista + Leite – Quais os maiores desafios de implantação da economia circular no Brasil?
Assunta Napolitano Camilo – A transição para a economia circular na indústria de embalagens enfrenta diversos desafios. A economia circular busca maximizar a utilização de recursos, minimizar o desperdício e prolongar a vida útil dos produtos. No entanto, a implementação desses princípios na prática pode ser complexa. Muitas embalagens são compostas por vários materiais, como plástico, papel, metal, o que dificulta a reciclagem destas embalagens. Além disso, a contaminação dos materiais, seja por resíduos alimentares ou outros contaminantes, pode comprometer a qualidade dos materiais reciclados. Isso é especialmente desafiador em embalagens de alimentos.
A falta de infraestrutura adequada para a reciclagem, coleta seletiva e processamento de materiais é um grande desafio. Muitas regiões, no Brasil, carecem de instalações avançadas para lidar com a diversidade de embalagens e materiais.
Apesar dos esforços para promover a reciclagem, a taxa de reciclagem de embalagens no Brasil é baixa. Isso está atrelado à falta de conscientização, complexidade de processos e falta de incentivos econômicos.
Outro desafio tem a ver com o design. Muitos produtos e embalagens são projetados sem considerar a circularidade desde o início. Mudar para um design mais circular pode exigir revisões significativas nos processos de produção e nas cadeias de suprimentos.
Além disso, a logística da coleta, transporte e processamento de materiais recicláveis pode ser complexa, especialmente em grandes áreas urbanas. A eficiência logística é crucial para o sucesso da economia circular.
Superar esses desafios requer uma abordagem colaborativa que envolva empresas, governos, ONGs e consumidores. Além disso, investir em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias inovadoras e promover a conscientização sobre a importância da economia circular são cruciais para avançar nessa direção.
Revista + Leite – Poderia citar empresas que já incorporaram economia circular em suas gestões?
Assunta Napolitano Camilo – Natura, Danone, Unilever, Coca-Cola, Nestlé, BRF, Marfrig, JBS, NUU Alimentos, N.Ovo, entre outras.
Revista + Leite – Poderia citar alguns exemplos de embalagens sustentáveis para leite?
Assunta Napolitano Camilo – Na Europa, as garrafas de vidro retornáveis têm o seu lugar na categoria, pois podem ser lavadas e reutilizadas várias vezes. O vidro é reciclável e possui uma longa vida útil. Algumas marcas estão introduzindo sistemas de refil para embalagens de leite. Os consumidores podem levar suas próprias embalagens para encher em postos de abastecimento específicos, reduzindo a necessidade de embalagens descartáveis.
Revista + Leite – Poderia citar alguns exemplos de embalagens sustentáveis para o setor de frigoríficos?
Assunta Napolitano Camilo – Embalagem a vácuo que permite a manutenção por mais tempo dos alimentos frescos, como carnes, reduzindo o desperdício e seu impacto negativo no meio ambiente. Apresenta uma película de plástico sobre suporte de papel cartão, que preserva os alimentos por mais tempo, assegurando que mantenham seu frescor até o prazo de validade. Embalagem com conteúdo reciclado ou com espessuras reduzidas, sem perder as propriedades de barreira, além de embalagens monomateriais que facilitam a reciclagem.
Revista + Leite – Acrescente o que considerar importante destacar e que não foi mencionado nas perguntas.
Assunta Napolitano Camilo – O caminho em busca da Economia Circular é longo e pode ser abreviado a partir de troca de experiencias e divulgação de bons exemplos e combatendo o greenwashing.
*Assunta Napolitano Camilo é diretora do Instituto de Embalagens, graduada em Engenharia Mecânica e especialista em Administração Industrial, ambas pela USP. Com mais de 40 anos de atuação no setor de embalagens, acumula experiência nas áreas de desenvolvimento, planejamento estratégico e gestão de importantes empresas no setor.