O que esperar para o mercado lácteo em 2023?

mercado lácteo em 2023

O clima atípico e os altos custos na cadeia produtiva têm exigido cautela dos produtores, empresários e investidores neste início do ano. Para entender o cenário do mercado lácteo em 2023, a revista +Leite conversou com Natália Grigol, Pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA). Acompanhe nosso bate-papo.

ML: Como vocês estão percebendo os movimentos do mercado neste início de ano?

Estamos vindo de alguns anos com bastante desafios. Até o ano passado a gente já sabia que 2023 seria bem desafiador. Mas logo nessa virada de ano percebemos bastante incerteza para o mercado lácteo.  Essa incerteza já estava no radar, mas não deixa de surpreender à medida que o ano começa bastante atípico para o setor. A gente tem que lembrar que a produção leiteira é uma atividade de longo prazo, e o ano anterior influencia no próximo. Quando a gente olha o que aconteceu em 2022, a gente lembra que foi um ano muito difícil, em que a oferta se enxugou de modo muito considerável, tanto que a gente viu uma explosão dos preços principalmente no meio do ano de 2022. Perdemos potencial na oferta, então a gente se depara neste início de ano ainda com um quadro atípico de inconsistência na produção de leite.

ML: Como o clima tem influenciado na produção de leite neste verão?

A produção de leite de forma geral é muito heterogênea. Temos uma grande influência climática sobre as pastagens então a gente tem influência da sazonalidade sobre a produção. No verão espera-se que as chuvas vão melhorar a qualidade das pastagens no sudeste, no centro-oeste e no sul, e isso causa um aumento da produção e diminuição no do custo da alimentação. Então, geralmente, é um momento de você ter oferta excedente. 

Porém, 2023 não começa assim. Estamos vivendo um segundo ano de La Niña. Tivemos neste começo de ano uma condição climática muito severa.  Na virada do ano, um momento considerado muito bom para a captação e produção, intensificou-se a seca no sul do país, e vimos então acelerar o período de entressafra no sul. Além disso, houve muita chuva  no sudeste e centro-oeste, e isso também prejudicou a atividade. Então estamos passando por uma safra que continua muito cara para o produtor.

O produtor esperava chegar um momento do verão e a diminuição dos custos com a alimentação, mas na verdade tivemos um verão ruim e a alimentação ainda está muito cara, de um modo geral, a entrada do ano veio para surpreender. E toda essa alteração climática não afeta só as pastagens, ela afeta também a qualidade dos grãos e isso afeta a alimentação do animal no decorrer do ano.

Natália Grigol – Pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA)


Mercado Lácteo em 2023

ML: Quando pensamos no preço do leite. Além da questão do clima, quais outros fatores devemos levar em consideração?

Podemos analisar a questão por dois lados. O lado da oferta e o da demanda. Do lado da oferta a gente tem que olhar para o mercado de insumos, principalmente os grãos, e nós já sabemos que a demanda mundial está firme, então é difícil pensar que este preço vai ceder.

Do lado da oferta ainda temos o fator das importações. Nosso déficit vai ser grande, mas o nível da importação também tem muita relação com a política cambial.

E do lado da demanda precisamos observar o poder de compra da população. Toda vez que a população tem aumento de renda, aumenta-se o consumo. E a gente já vem de alguns anos de perda deste poder de compra. A queda de renda da população acarreta uma queda no consumo dos derivados lácteos. Então se o brasileiro empobrece o mercado lácteo vai apresentar dificuldades.

ML: E a importação do leite tende a aumentar em 2023?


Esse volume de importações está em queda desde outubro, mas a gente ainda está falando em patamares mais elevados do que em 2021. As compras no mercado internacional podem ser sim um fator que deve regular essa subida de preços de forma a segurar a intensidade dessa subida de preços.

É sempre muito caótico para o setor recorrer à importação. Isso acaba gerando desconforto para a negociação com os produtores, mas de fato acaba sendo muito complicado para o setor manejar a distribuição do valor ao longo da cadeia para incentivar a produção.


ML: Com os insumos ainda muito altos e o clima, que não ajuda, como ficam os investimentos para o setor?

A gente ainda sente os desafios dos anos anteriores, principalmente um déficit de produtores que deixaram a atividade. Em 2022 o produtor conseguiu uma melhora da margem, havia uma expectativa de que se convertessem investimentos de longo prazo. Acreditamos que houveram investimentos, mas na maioria foram investimentos de curto prazo e atividade tenta se recuperar, mas ela é muito pautada pela questão do custo que continua alto e agora pelo clima que não ajudou a trazer uma safra potente.

Dentro da pecuária leiteira nós temos níveis de investimentos e está sendo muito difícil estimular investimentos a longo prazo porque este mercado é muito volátil.

A indústria de laticínios está tendo que lidar com a escassez de fornecedores, aumento dos preços e uma demanda enfraquecida. A indústria neste momento está acomodando um certo prejuízo para gerenciar e não trabalhar com uma capacidade ociosa, mas essa conta vai chegar.

Os agentes de mercado lácteo ainda esperam que 2023 seja um ano em que o preço do leite não oscile tanto como oscilou em 2022. Mas isso não impede que falemos de preços bem firmes.

Passando este primeiro trimestre nós saberemos se os incentivos relacionados ao preço serão revertidos a investimentos mais a longo prazo.

ML: E a importação do leite tende a aumentar em 2023?

Nesse início de ano, já observamos aumento de quase 3% no volume de lácteos importados. E o cenário que se desenha é de que as importações possam crescer nesse primeiro trimestre, à medida em que a oferta doméstica segue limitada – o que encarece os preços, tanto do produtor quanto dos lácteos brasileiros. Além disso, existe também um movimento de queda nos preços internacionais, devido ao aumento da oferta, sobretudo da Nova Zelândia, e à redução das compras chinesas. Nesse sentido, os preços dos lácteos importados devem continuar mais competitivos que os dos lácteos nacionais, o que pode manter as compras externas atrativas.

Para ler as outras matérias da edição 119, clique aqui.

Compartilhe

Explore nossos conteúdos