O setor de queijos brasileiros ganha qualidade e cresce. Agora é possível saborear mais uma delícia do Queijo Mineiro Artesanal com segurança garantida por pesquisas. O queijo Casca Florida, produzido a partir de leite cru foi reconhecido em resolução publicada em dezembro de 2022
O Casca Florida, que tem a cobertura com presença ou dominância visualmente constatada de fungos filamentosos, popularmente denominados de mofos e bolores foi formalizado com a resolução nº 42, publicada pela Seapa (Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento), que reconheceu de forma inédita a nova variedade de Queijo Minas Artesanal.
O Secretário de Agricultura, Thales Fernandes, informa que era uma demanda antiga da cadeira produtiva e foi uma vitória para as queijarias de Minas Gerais, a regulamentação desse tipo de queijo artesanal produzido a partir do leite cru, com utilização de soro-fermento (pingo), sem que seja realizada uma raspagem da casca. O produto final apresenta cor e sabor próprios, além de uma massa uniforme.
Com a formalização, na prática, ganham os produtores, que ingressam no mercado formal, e a população que passa a consumir produtos com a devida habilitação sanitária e o selo de inspeção estadual.
Alimento seguro
A participação de pesquisadores dando o respaldo científico para o Casca Florida foi determinante para o reconhecimento desse tipo de queijo. Havia necessidade ter o conhecimento científico sobre os fungos que colonizam a casca do queijo para verificar se o alimento era seguro.
Segundo Fernandes, para isso, contribuíram as pesquisas realizadas nas universidades federais de Minas Gerais(UFMG) e de Lavras (UFLA), submetidas à EPAMIG (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) e acompanhas por servidores técnicos da Seapa e do IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária.
Os estudos contaram com a participação ativa dos pesquisadores e professores doutores do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, Luiz Henrique Rosa, e do Laboratório de Microbiologia de Alimentos do Departamento de Ciência dos Alimentos da UFLA, Luís Roberto Batista.
União para pesquisas
Uma força tarefa composta por pesquisadores, produtores, especialistas e técnicos que atuam no setor de produção de queijos artesanais vêm discutindo nos últimos anos uma normativa para oficializar a segurança alimentar desse tipo de variedade de queijos.
Para falar sobre o esse processo, a Revista + Leite, entrevistou o professor doutor Luiz Henrique Rosa, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.
Quais os desafios em estudo como esse do Casca Florida?
Luiz Henrique Rosa – Considero o maior desafio conhecer a biodiversidade de fungos que ocorrem nos queijos das diferentes microrregiões de Minas Gerais e até do Brasil. Sempre digo para produtores de queijo, técnicos e pesquisadores da área de queijos artesanais que a biodiversidade de fungos em nossos ecossistemas é enorme e essa biodiversidade fúngica que coloniza os queijos nas queijarias.
Realizamos um estudo inicial para caracterizar essa biodiversidade de fungos nos queijos minas artesanais de casca florida (QMACF) de Minas Gerais e detectamos mais de 70 espécies diferentes. Contudo, uma foi detectada em praticamente todas as microrregiões – o Galactomyces geotricum (também conhecido como Geotrichum candidum e Geotrichum silvicola), o qual considero (e não só eu) um bom candidato para ser o primeiro fungo a ser padronizado para dar qualidade e gerar segurança alimentar para esse produto artesanal e típico de Minas Gerais do Brasil. O Galactomyces geotricum é um fungo que aparentemente não é oportunista para humanos e é encontrado naturalmente nos ecossistemas naturais do Brasil.
Ele é semelhante ao Camembert, por exemplo, ou outro queijo também conhecido pelos brasileiros?
Em termos que fungos que predominam no queijo de casca florida de Minas Gerais, não. Digo isso, pois o fungo que domina nesse tipo de queijo é o G. geotrichum. Entretanto, em nossos estudos encontramos algumas espécies de Penicillium colonizando os queijos, mesmo gênero de fungo que é utilizado para produção do Camembert, o Penicillium camemberti. Contudo, novos estudos mais detalhados precisam ser realizados para averiguar se essas espécies de Penicillium encontradas nos QMACF podem ser utilizados para maturar os queijos com segurança alimentar.
A qualidade do leite, que é variável de acordo com regiões e/ou origem, interfere no resultado de segurança do queijo casca florida e outros que produzidos a partir de leite cru?
Com certeza sim, pois as boas práticas de fabricação precisam ocorrer em todas as etapas do processo de produção do QMACF. Além disso, a origem e qualidade do leite podem variar de acordo com o gado utilizado, bem como sua alimentação e processo de obtenção do leite. É importante ressaltar que o fungo que irá maturar o queijo de forma diferente de acordo com a matéria-prima – o leite, pois ele (o queijo) representa o substrato de atuação do fungo.
Temos vários tipos de queijos frescos no Brasil, mas o Casca Florida é o único que possui bolor?
Sim, pois no Queijo Minas Artesanal Casca Florida (QMACF) não ocorre o toalete, ou seja, a limpeza do fungo. Os queijos artesanais de casca lima, o tradicional Queijo Minas Artesanal (QMA), também possuem fungos, mas eles são removidos e não colonizam suas cascas e até seu interior. Os tradicionais QMAs são comercializados com a casca limpa.
Qual a importância da formalização do Casca Florida?
Uma força tarefa composta por pesquisadores, produtores, especialistas e técnicos que atuam no setor de produção de queijos artesanais vêm discutindo nos últimos anos uma normativa para oficializar o QMAFC no estado e então gerar um documento que oriente como produzir essa iguaria dentro de normas de segurança alimentar para sociedade. O QMACF é um produto valioso que pode movimentar diferentes setores da economia de Minas Gerais e do Brasil, bem como gerar empregos. Contudo, sua produção e comercialização precisam ser seguras para sociedade e até para o próprio produto para que ele não fique marcado por ser inseguro para consumo.
Ainda é necessário reforçar que mais pesquisas sobre o QMACF precisam ser realizadas para melhorar cada vez mais sua produção e valorizar e, assim, esse setor no mercado estadual, nacional e até internacional, por que não exportar o QMACF para outros países? Mas, para isso, é preciso segurança alimentar e padrão de qualidade para que esse tipo de queijo seja competitivo frente aos outros queijos já estabelecidos que usam fungos para sua maturação. Sem mais pesquisas o QMACF dificilmente irá avançar no mercado.
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